Antes de ser nome, mapa ou papel timbrado, Torres era chão de outros os.
Povos antigos, como os Sambaquianos, Carijós e Arachanes, já traçavam sua história muito antes da chegada dos europeus com suas cruzes e coroas.
O que hoje chamamos de município de Torres nasceu do lento processo de ocupação e delimitação, onde o litoral gaúcho ainda respirava o silêncio das dunas e o murmúrio ancestral das ondas.
Se pensarmos a emancipação de Torres não como ato, mas como processo — e mais ainda, como herança — então podemos dizer, sem medo de errar, que Torres é neta de Santo Antônio da Patrulha e filha de Conceição do Arroio, hoje Osório. A árvore genealógica da autonomia municipal, afinal, também carrega raízes profundas e bifurcações curiosas.
Torres, essa senhora altiva à beira-mar, tem duas datas de nascimento.
A primeira, no dia 21 de maio de 1878, ainda sob a guarda do Império, quando a então freguesia de São Domingos das Torres foi elevada à categoria de “villa”, pela Lei nº 1.152. O ato, sancionado pelo presidente da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Dr. Américo de Moura Marcondes de Andrade, marcava a separação oficial de Conceição do Arroio. Era o parto da Torres monárquica, como definiu o historiador Ruy Ruben Ruschel — nascida sob o brasão e o protocolo imperial, onze anos antes da República.
Mas a história raramente se dobra à lógica linear.
Em 1887, mesmo antes da queda do regime monárquico, Torres sofre um revés político ainda hoje envolto em névoas. Por razões não totalmente claras, retorna ao domínio istrativo de Osório, num breve hiato que interrompeu seu voo próprio.
Seria apenas em 23 de janeiro de 1890, já sob o novo sol da República, que Torres renasceria oficialmente — agora republicana, agora com outro tempo e outra certidão de nascimento. Ainda assim, o coração cívico da cidade continuaria batendo mais forte no dia 21 de maio, data que se consolidou como o marco oficial da emancipação.
Entre idas e vindas, entre o império das ondas e o império das leis, Torres construiu sua identidade como quem costura o ado com fios de vento, areia e história. Porque cidades como Torres não nascem apenas uma vez. Elas insistem em nascer quantas vezes forem necessárias.
Fonte: Ruy Ruben Ruschel